“Quando nós comemoramos a Ceia do Senhor, nós estamos dando testemunho de que ele é o Maná Divino, o pão que desceu do céu. Nisso nós cremos, nele nós confiamos!” Pr. João Filson Soren[1]
Recentemente,
tem-se enfatizado as diversas posições acerca da Ceia do Senhor (e das
Ordenanças – “sacramentos”). Posições como a transubstanciação, união
sacramental, presença real, presença espiritual, consubstanciação e
memorialismo. Dentre tais, a posição que entendo ser a bíblica, e a maioria
esmagadora dos batistas assim também entende, é o memorialismo, ou Ordenança
Memorial, onde a Ceia do Senhor proclama o sacrifício de Cristo, o anuncia até
sua volta mas não possui qualquer poder, presença (nem real nem espiritual) de
Cristo, assim como também não transfere graça, salvação ou santificação alguma
para o crente. Veja o que diz a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira
(CBB) de 1986 sobre a Ceia do Senhor:
“IX - O Batismo e a
Ceia do Senhor
O batismo e a ceia do Senhor são as duas
ordenanças da igreja estabelecidas pelo próprio Jesus Cristo, sendo ambas de
natureza simbólica.
[...]
4 - A
ceia do Senhor é uma cerimônia da Igreja reunida, comemorativa e proclamadora
da morte do Senhor Jesus Cristo, simbolizada por meio dos elementos utilizados:
o pão e o vinho;
5 - Nesse memorial, o pão representa Seu
corpo dado por nós no Calvário e o vinho simboliza o Seu sangue derramado;
6 - A ceia do Senhor deve ser celebrada pelas
Igrejas até a volta de Cristo e sua celebração pressupõe o batismo bíblico e o
cuidadoso exame íntimo dos participantes.
1. Mt 3.5,6,13-17; Jo 3.22,23; 4.1,2; 1Co
11.20,23-30
2. At 2.41,42; 8.12,36-39; 10.47,48
3. Rm 6.3-5; Gl 3.27; Cl 2.12
4. Mt 28.19; At 2.38,41,42; 10.48
5 e 6. Mt 26.26-29; 1Co 10.16,17-21; 11.23-29
7. Mt 26.29; 1Co 11.26-28; At 2.42; 20.4-8”
Um
ataque comumente feito por sacramentalistas à posição batista, é que um dos
principais (mas não único) textos que nós utilizamos para apoiar o
memorialismo, 1 Coríntios 11, não se trate de fato de uma posição memorial, e
que o texto é mal interpretado quando lido de tal forma. Faremos uma análise a
seguir:
“24. E, tendo dado graças, o
partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei
isto em memória de mim. 25. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o
cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas
as vezes que beberdes, em memória de mim.” 1 Coríntios 11:24,25 – ACF
“...MEMÓRIA” - ΑΝΑΜΝΗΣΙΝ (ANAMNĒSIS), uma
análise:
STRONG
Ø G364
Strong’s
The KJV translates Strong's
G364 in the following manner: remembrance (3x), remembrance again (1x).
Strong’s Definitions:
ἀνάμνησις (anámnēsis),
an-am'-nay-sis; from G363; recollection:—remembrance (again).
STRONGS NT 364: ἀνάμνησις
ἀνάμνησις, -εως, ἡ, (ἀναμιμνήσκω),
a remembering, recollection: εἰς τ. ἐμήν ἀνάμνησιν to call me (affectionately)
to remembrance, Luke 22:19 [WH reject the passage]; 1 Corinthians 11:24f, ἐν αὐταῖς
(namely, θυσίαις) ἀνάμνησις ἁμαρτιῶν in offering sacrifices there is a
remembrance of sins, i. e. the memory of sins committed is revived by the
sacrifices, Hebrews 10:3. In Greek writings from Plato down.
Ø VINE’S
EXPOSITORY DICIONARY (Dicionário Vine)
Remember, Remembrance,
Reminded:
"a remembrance"
(ana, "up," or "again," and A, No. 1), is used
(a) in Christ's command in
the institution of the Lord's Supper, Luk 22:19; 1Cr 11:24, 25, not "in
memory of" but in an affectionate calling of the Person Himself to mind;
(b) of the "remembrance"
of sins, Hbr 10:3, RV, "a remembrance" (AV, "a remembrance
again;" but the prefix ana does not here signify "again"); what
is indicated, in regard to the sacrifices under the Law; is not simply an
external bringing to "remembrance," but an awakening of mind. In the
Sept., Lev 24:7; Num 10:10; Psa 38:1; 70:1, Titles
MEUS
COMENTÁRIOS:
Como
vistos em um léxico e em um dicionário teológico, o termo anamnesis que foi
traduzido como “memória” tem um significado justamente de relembrar algo, uma
re-lembrança. O que é interessante, é que o texto não para por aí. Nos dois
versículos citados (v. 24 e 25),a expressão anamnesis aparece duas vezes:
1)
V. 24 “...fazei
isto em memória de mim”: o apóstolo Paulo diz que tal instrução foi recebido
tal ensino do próprio Senhor Jesus (v. 23), assim como a descrição lucana (Lc
22:19), a instrução aponta para um ato memorial. Ou seja, Jesus diz que deve-se
realizar a Ceia como um ato “em memória” dEle.
Alguns estudiosos como Craig Keener argumentam que “o sentido aqui é do
Antigo Testamento, em que a Páscoa comemorava os atos de redenção divina da
história de Israel (p. ex., Êx 12.12; 13.3; Dt 16.2,3)” [2] o que tal argumento me parece razoável. Disto
tiraríamos conclusões tanto da Teologia Bíblica: que a Nova Aliança é superior
à Antiga; que o NT interpreta tipologias do AT e também da Teologia
Sistemática, que afirmaria o memorialismo, ato memorial, da ordenança da Ceia
do Senhor. Ainda sobre esse versículo, poderíamos citar o Comentário Bíblico
Moody[3] que comenta sobre a indicação do que está em memória, no
caso o Corpo e o Cálice.
“A
palavra é tem o sentido comum de “representa”
(cf. v. 7; Jo 8.12; 10.9; 1Co 10.4) [...] Em
memória envolve mais do que uma simples lembrança; a palavra sugere uma
convocação ativa da mente...”
2)
V. 25 “...fazei
isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim.”: já nesse versículo,
há uma reafirmação interessante. No primeiro verso, o apóstolo instrui a Igreja
a comer o pão em ato memorial, já no segundo, descreve a situação onde Jesus
toma o cálice e tece um comentário sobre alianças, e que nessa aliança, o
cálice que representa o sangue é feita então como a Nova Aliança, um Novo
Testamento. E que por fim, sempre que bebermos, devemos fazer “em memória de mim”. Tal expressão, em
tal contexto, somente reforça a ideia anteriormente apresentada: de que a ceia
se trata de um ato puramente memorial, não havendo então indícios bíblicos para
crer que Jesus se faz espiritualmente nos elementos, nem fisicamente, nem
tampouco se transforma.
Como disse
Fernando Vítolo Gonçalves[4]:
“A representação da
Nova Aliança no sangue de Jesus, da salvação dada ao seu povo. O pão sem
fermento da páscoa era normalmente interpretado de modo figurado como “o pão da
aflição que os nossos ancestrais comeram” na época de Moisés. Jesus havia
aplicado esse pão a si mesmo: Porque
todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte
do Senhor, até que venha. (v. 26).”
Com
esse texto não quero “provar o memorialismo”, somente derrubar um espantalho
criado por muitos sacramentalistas que invalidam o argumento, ou apelando para
a interpretação do texto bíblico, ou para a ausência de “outras evidências” (o
que tal argumento mesmo que fosse verdadeiro, não é, não faria menor diferença
visto que os vs. 24,25 são claros em expressar tal fato acerca da Ceia, assim
como suficientes e que se reafirmam entre si). A perícope em questão não somente
prova o caráter simbólico da Ceia do Senhor, mas como instrutivo à Igreja e
prova sua característica anunciadora da Morte Vicária de Cristo Jesus na Cruz
do Calvário, morte essa que nos traz a Vida e Vida em Abundância.
Miguel Augusto Gonçalves.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS E LINKS
[1] SOREN, João Filson. Em Memória de Mim: Meditações sobre
a Ceia do Senhor. Pag. 96. Editora Convicção, Rio de Janeiro, 2008.
[2] KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da
Bíblia: Novo Testamento, tradução de José Gabriel Said, Thomas Neufeld de Lima.
– São Paulo, Vida Nova, 2017.
[3] HARRISOM, Everett F. Comentário Bíblico Moody: volume
2 – São Paulo, Editora Batista Regular do Brasil, 2017.
[4] GONZALIS, Fernando Vítolo. Há elementos de graça na
ceia do Senhor?. Revista Teológica, Faculdade Teológica Batista de São Paulo,
n. 13, p. 58, ago. 2019.
Disponível em:
<http://ead.teologica.net/revista/index.php/teologicaonline/article/view/184>.
Acesso em: 04 ago. 2021.
THIESSEN, Henry Clarence. Palestras Introdutórias a
Teologia Sistemática. Editora Batista Regular do Brasil, São Paulo, 2010.
http://www.convencaobatista.com.br/siteNovo/pagina.php?MEN_ID=22
https://www.blueletterbible.org/lexicon/g364/kjv/tr/0-1/
https://www.bibliaonline.com.br/acf+receptus/1co/11/23-34+
Ótimo trabalho, demonstrando saudável hermenêutica e defendendo a posição mais conservadora batista.
ResponderExcluirMuito obrigado! Deus abençoe.
ExcluirParabéns Miguel, bem explicativo!
ResponderExcluirMuito obrigado! Deus abençoe.
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