terça-feira, 3 de agosto de 2021

MEMORIAL? SIM, UM MEMORIAL!: uma análise de 1Coríntios 11:24,25.

“Quando nós comemoramos a Ceia do Senhor, nós estamos dando testemunho de que ele é o Maná Divino, o pão que desceu do céu. Nisso nós cremos, nele nós confiamos!” Pr. João Filson Soren[1]

Recentemente, tem-se enfatizado as diversas posições acerca da Ceia do Senhor (e das Ordenanças – “sacramentos”). Posições como a transubstanciação, união sacramental, presença real, presença espiritual, consubstanciação e memorialismo. Dentre tais, a posição que entendo ser a bíblica, e a maioria esmagadora dos batistas assim também entende, é o memorialismo, ou Ordenança Memorial, onde a Ceia do Senhor proclama o sacrifício de Cristo, o anuncia até sua volta mas não possui qualquer poder, presença (nem real nem espiritual) de Cristo, assim como também não transfere graça, salvação ou santificação alguma para o crente. Veja o que diz a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira (CBB) de 1986 sobre a Ceia do Senhor:

“IX - O Batismo e a Ceia do Senhor                          

O batismo e a ceia do Senhor são as duas ordenanças da igreja estabelecidas pelo próprio Jesus Cristo, sendo ambas de natureza simbólica.

[...]

4 -  A ceia do Senhor é uma cerimônia da Igreja reunida, comemorativa e proclamadora da morte do Senhor Jesus Cristo, simbolizada por meio dos elementos utilizados: o pão e o vinho;

5 - Nesse memorial, o pão representa Seu corpo dado por nós no Calvário e o vinho simboliza o Seu sangue derramado;

6 - A ceia do Senhor deve ser celebrada pelas Igrejas até a volta de Cristo e sua celebração pressupõe o batismo bíblico e o cuidadoso exame íntimo dos participantes.

1. Mt 3.5,6,13-17; Jo 3.22,23; 4.1,2; 1Co 11.20,23-30

2. At 2.41,42; 8.12,36-39; 10.47,48

3. Rm 6.3-5; Gl 3.27; Cl 2.12

4. Mt 28.19; At 2.38,41,42; 10.48

5 e 6. Mt 26.26-29; 1Co 10.16,17-21; 11.23-29

7. Mt 26.29; 1Co 11.26-28; At 2.42; 20.4-8”

 

Um ataque comumente feito por sacramentalistas à posição batista, é que um dos principais (mas não único) textos que nós utilizamos para apoiar o memorialismo, 1 Coríntios 11, não se trate de fato de uma posição memorial, e que o texto é mal interpretado quando lido de tal forma. Faremos uma análise a seguir:

“24. E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim. 25. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim.” 1 Coríntios 11:24,25 – ACF

 “...MEMÓRIA” - ΑΝΑΜΝΗΣΙΝ (ANAMNĒSIS), uma análise:

STRONG

Ø  G364 Strong’s

The KJV translates Strong's G364 in the following manner: remembrance (3x), remembrance again (1x).

 

Strong’s Definitions:

ἀνάμνησις (anámnēsis), an-am'-nay-sis; from G363; recollection:—remembrance (again).

 

STRONGS NT 364: ἀνάμνησις

ἀνάμνησις, -εως, ἡ, (ἀναμιμνήσκω), a remembering, recollection: εἰς τ. ἐμήν ἀνάμνησιν to call me (affectionately) to remembrance, Luke 22:19 [WH reject the passage]; 1 Corinthians 11:24f, ἐν αὐταῖς (namely, θυσίαις) ἀνάμνησις ἁμαρτιῶν in offering sacrifices there is a remembrance of sins, i. e. the memory of sins committed is revived by the sacrifices, Hebrews 10:3. In Greek writings from Plato down.

 

Ø  VINE’S EXPOSITORY DICIONARY (Dicionário Vine)

Remember, Remembrance, Reminded:

 

"a remembrance" (ana, "up," or "again," and A, No. 1), is used

(a) in Christ's command in the institution of the Lord's Supper, Luk 22:19; 1Cr 11:24, 25, not "in memory of" but in an affectionate calling of the Person Himself to mind;

 

(b) of the "remembrance" of sins, Hbr 10:3, RV, "a remembrance" (AV, "a remembrance again;" but the prefix ana does not here signify "again"); what is indicated, in regard to the sacrifices under the Law; is not simply an external bringing to "remembrance," but an awakening of mind. In the Sept., Lev 24:7; Num 10:10; Psa 38:1; 70:1, Titles

 

MEUS COMENTÁRIOS:

Como vistos em um léxico e em um dicionário teológico, o termo anamnesis que foi traduzido como “memória” tem um significado justamente de relembrar algo, uma re-lembrança. O que é interessante, é que o texto não para por aí. Nos dois versículos citados (v. 24 e 25),a expressão anamnesis aparece duas vezes:

1)    V. 24 “...fazei isto em memória de mim”: o apóstolo Paulo diz que tal instrução foi recebido tal ensino do próprio Senhor Jesus (v. 23), assim como a descrição lucana (Lc 22:19), a instrução aponta para um ato memorial. Ou seja, Jesus diz que deve-se realizar a Ceia como um ato “em memória” dEle.  Alguns estudiosos como Craig Keener argumentam que “o sentido aqui é do Antigo Testamento, em que a Páscoa comemorava os atos de redenção divina da história de Israel (p. ex., Êx 12.12; 13.3; Dt 16.2,3)” [2]  o que tal argumento me parece razoável. Disto tiraríamos conclusões tanto da Teologia Bíblica: que a Nova Aliança é superior à Antiga; que o NT interpreta tipologias do AT e também da Teologia Sistemática, que afirmaria o memorialismo, ato memorial, da ordenança da Ceia do Senhor. Ainda sobre esse versículo, poderíamos citar o Comentário Bíblico Moody[3] que comenta sobre a indicação do que está em memória, no caso o Corpo e o Cálice.

“A palavra é tem o sentido comum de “representa” (cf. v. 7; Jo 8.12; 10.9; 1Co 10.4) [...] Em memória envolve mais do que uma simples lembrança; a palavra sugere uma convocação ativa da mente...”

2)    V. 25 “...fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim.”: já nesse versículo, há uma reafirmação interessante. No primeiro verso, o apóstolo instrui a Igreja a comer o pão em ato memorial, já no segundo, descreve a situação onde Jesus toma o cálice e tece um comentário sobre alianças, e que nessa aliança, o cálice que representa o sangue é feita então como a Nova Aliança, um Novo Testamento. E que por fim, sempre que bebermos, devemos fazer “em memória de mim”. Tal expressão, em tal contexto, somente reforça a ideia anteriormente apresentada: de que a ceia se trata de um ato puramente memorial, não havendo então indícios bíblicos para crer que Jesus se faz espiritualmente nos elementos, nem fisicamente, nem tampouco se transforma.

Como disse Fernando Vítolo Gonçalves[4]:

“A representação da Nova Aliança no sangue de Jesus, da salvação dada ao seu povo. O pão sem fermento da páscoa era normalmente interpretado de modo figurado como “o pão da aflição que os nossos ancestrais comeram” na época de Moisés. Jesus havia aplicado esse pão a si mesmo: Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha. (v. 26).”

Com esse texto não quero “provar o memorialismo”, somente derrubar um espantalho criado por muitos sacramentalistas que invalidam o argumento, ou apelando para a interpretação do texto bíblico, ou para a ausência de “outras evidências” (o que tal argumento mesmo que fosse verdadeiro, não é, não faria menor diferença visto que os vs. 24,25 são claros em expressar tal fato acerca da Ceia, assim como suficientes e que se reafirmam entre si). A perícope em questão não somente prova o caráter simbólico da Ceia do Senhor, mas como instrutivo à Igreja e prova sua característica anunciadora da Morte Vicária de Cristo Jesus na Cruz do Calvário, morte essa que nos traz a Vida e Vida em Abundância.

 

Miguel Augusto Gonçalves.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E LINKS

[1] SOREN, João Filson. Em Memória de Mim: Meditações sobre a Ceia do Senhor. Pag. 96. Editora Convicção, Rio de Janeiro, 2008.

[2] KEENER, Craig S. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Novo Testamento, tradução de José Gabriel Said, Thomas Neufeld de Lima. – São Paulo, Vida Nova, 2017.

[3] HARRISOM, Everett F. Comentário Bíblico Moody: volume 2 – São Paulo, Editora Batista Regular do Brasil, 2017.

[4] GONZALIS, Fernando Vítolo. Há elementos de graça na ceia do Senhor?. Revista Teológica, Faculdade Teológica Batista de São Paulo, n. 13, p. 58, ago. 2019.

Disponível em: <http://ead.teologica.net/revista/index.php/teologicaonline/article/view/184>. Acesso em: 04 ago. 2021.

THIESSEN, Henry Clarence. Palestras Introdutórias a Teologia Sistemática. Editora Batista Regular do Brasil, São Paulo, 2010.

http://www.convencaobatista.com.br/siteNovo/pagina.php?MEN_ID=22

https://www.blueletterbible.org/lexicon/g364/kjv/tr/0-1/

https://www.bibliaonline.com.br/acf+receptus/1co/11/23-34+

4 comentários:

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